Delo Chiarelli Verginio (Graduando, no 8° período de Medicina Veterinária, Faculdade de
Jaguariúna/SP. E-mail: delocv@superig.com.br)
1.
Introdução
O Accipiter
bicolor é uma ave neotropical
encontrada em quase todo o Brasil,
habita matas preservadas incluindo as ciliares, de preferência utilizando as
bordas para caçar. Possuem asas arredondadas curtas e caudas alongadas, característica
esta favorável para vôos dentro de florestas. Ornitófagos, os indivíduos de
vida livre se especializaram quase que exclusivamente de aves ou eventualmente
pequenos mamíferos e répteis. Em Falcoaria as fêmeas podem ser direcionadas
para codornas, perdizes e aves aquáticas de pequeno e médio porte, como
amplamente aplicado por nossos vizinhos do Chile, Argentina e Peru.
Com meu exemplar
adquirido em criadouro comercial, tentei utilizar o método McDermott de forma
pura, que, entre outros, preconiza que a ave se alimente sozinha desde muito
pequena não associando assim o falcoeiro com fonte alimentar. Desta forma
obtive os resultados que serão mostrados abaixo.
2.
Materiais e métodos
Fui buscá-la
no criadouro dia 22/11/11. Infelizmente o proprietário teve alguns imprevistos
que me impediram de pegar a ave com 5 dias de vida que era o tempo indicado
pela literatura para se iniciar o treino. Acabei encontrando-a com 18 dias, mas,
segundo o criador já se alimentava sozinha desde os 5 dias e já estava com os
braceletes como requisitei. A única coisa que não foi feita foi atrelar a ave
logo que desse os primeiros passos e isso causou um certo contratempo para mim
nos dois primeiros dias pois ela vivia solta dentro de casa e inevitavelmente
estranhou ficar atrelada pois já estava bastante ágil com 18 dias.
Outro
fato que não deu para consertar foi a convivência com cães. No período em que
esteve no criadouro ela não foi exposta e fiz isso aos poucos. Não liga para
cães passando por baixo dela quando está no punho ou alcândara, mas se assusta
quando estão perto demais, principalmente no nível do solo e acabei não
forçando muito.
Instalei
os sinos no tarso logo de início e se acostumou completamente a eles.
Me tomou
muito tempo, mas o manning que fiz com ela foi extremo! Passeava com ela pelo
centro da cidade, em canteiros entre avenidas de trânsito rápido dos dois lados
e ela não esboçava nenhuma preocupação. Em casa acompanhava a faxineira com o
aspirador de pó. Passeava de carro sempre com ela no punho. Na beirada de
piscina batia as mãos na água. Às vezes quando passava por baixo de algum
telhado ou árvore ela ameaçava querer saltar para o ponto mais alto (e as vezes
até saltava), mas não considerava isso anormal.
Aceita toques pelo corpo
todo. Eu fazia questão de pegar nos pés e em todo o tarso, inclusive no
equipamento enquanto ela se alimentava no pratinho.
A partir do terceiro dia
comigo já comecei a oferecer codornas abatidas, abertas e inteiras no ninho, alternando com as picadas no prato. Fazia baggies
utilizando Manons incapacitados e ela matava e comia prontamente. Sempre manuseio
no alimento enquanto ela come.
Sobre os
poleiros, quando não estava no meu punho fica no arco ou na alcândara
tradicional. No arco notei que se agita de vez em quando procurando um lugar
mais alto, já na alcândara dificilmente acontece. Enquanto a cauda estava curta
(saindo a segunda listra) não havia problemas, mas reparava que ela ficava de
atravessada na alcândara apoiando a cauda no poleiro e isso futuramente poderia
danificar as penas. Acabei fazendo um Pole Pearch para solucionar naquele
momento.
Neste
período a ave estava muito dócil, calma e aceitava aparentemente todos os
estímulos que a submeti até aquele momento. Fiquei naquele ritmo frenético por
mais alguns meses até iniciar o treinamento propriamente dito. Com 26 dias
pesava 483g.
Notava
que os momentos de maior agitação eram pela manhã quando era colocada no jardim
para banho de sol e ao anoitecer. Isso foi resolvido com os passeios nestes
horários. Então fazia o passeio pela manhã logo que a retirava do recinto e
isso fez com que ficasse mais calma quando estava de volta. No final da tarde
fazia outro passeio e depois já colocava no recinto escuro e isso resolvia a
agitação crepuscular.
Com
aproximadamente 40 dias comecei a oferecer carcaças de codornas inteiras para estimular
que bicasse e abrisse sozinha o alimento. Depois de mais ou menos três dias
fazendo isso ofereci o primeiro baggie de codorna para que ela mesmo capturasse
e abatesse e ela fez com sucesso. Me aproximava da ave e tocava o alimento e
seus pés sem que ela demonstrasse sinais de agressão, possessão ou ato de
carregar. Neste ponto, deixava o poleiro em arco do lado e quando ela estava
saciada abandonava a carcaça e saltava para o poleiro. Comecei a fazer isso na
rua de casa onde ela comia observando as pessoas, carros, motos, etc, duas
vezes por dia. O peso começou a reduzir sozinho e já estava nesta época com
434g.
Iniciei
então o treino com carcaças maiores de galinhas garnizés de diversos padrões de
coloração. Sem ela ver o que estava fazendo, abatia e preparava a carcaça
expondo o tórax aberto e deixava em sua caixa ninho em um canto qualquer da
casa, colocava o poleiro em arco do lado e ia buscar a ave que estava no pole
perch sem ver a situação. Na primeira vez coloquei ela no arco e ela demonstrou
bastante curiosidade. Após pouco mais de um minuto saltou na carcaça e começou
a comer. Deixei que explorasse sozinha por um tempo e depois agachei ao seu
lado e comecei a tocar nos pés da ave e no alimento enquanto ela comia
despreocupadamente.
Depois de
saciada, saltava de volta para o arco, esperava para que se limpasse e recolhia
a ave. A carcaça eu guardava em uma sacola plástica e na geladeira para o
próximo treino. Após esta primeira vez a ave atacava instantaneamente a carcaça
assim que a via. Fiz isso por 10 dias juntamente com o manning e algumas
codornas vivas em dias alternados.
Quando
ela completou 60 dias introduzi a isca pela primeira vez. Amarrei meia codorna
e joguei no chão ao seu lado. Ela examinou por alguns segundos e saltou na isca
e iniciou a comer. Neste meio tempo fiz o de sempre, toquei no alimento e nos
pés da ave enquanto comia.
Aos 60
dias, com o englúvio vazio pesava 398g e sua cauda já estava praticamente
completa.
Nesta fase iniciei a redução de peso tentando no
máximo fazê-la perder 2g por dia. Começou a ficar vocal, porém um pio que não
incomodava absolutamente nada. Passou a cobrir o alimento mas não demonstrou
nenhuma agressividade.
Iniciei
os vôos com ela pesando por volta de 370g e passou a responder de uma forma
razoável com 345g. Primeiramente oferecia a isca no ar e isso também não
motivava muito a ave, pelo contrário, estava estimulando a carregar. Depois
quando passei a entregar no chão as coisas melhoraram. Com 332g já estava vindo
para a isca na distância completa do meu quintal (21 metros) no primeiro
chamado, fazendo 4 vôos. Baixei mais 2g e levei para o campo com 330g. A
resposta me surpreendeu, estava um pouco dispersa, mas não demorava mais de 15
segundos para voar na isca. Comecei com 10 metros no primeiro vôo e vi que
poderia aumentar, terminei os últimos 3 vôos a 25m.
Fazia diariamente algumas sessões de caixa de transporte. Às
vezes a ave até dormia na caixa. Se adaptou muito bem. Neste meio tempo já
estava acostumada à rotina de treino também: Voa para a isca, amarro pedaços
pequenos, acaricio os pés e toco o alimento enquanto come, depois que termina
jogo sem a ave ver um pedacinho de carne na sua frente e ela automaticamente
solta a isca para comer o pedacinho. Escondo a isca e ela sobe ao punho. A ave
cobre a isca muito calorosamente e muitas vezes danificam-se todas as penas da
cauda, mas não carrega e nunca demonstra agressividade. Pelo menos duas vezes
na semana reparo as penas com água quente.
Outro fator que prejudica bastante a cauda é o transporte pois
quando está no peso de vôo se agita bastante dentro da caixa.
Com 326g fez seu primeiro vôo livre a 150m com resposta no
primeiro apito. Não carregava e não demonstrava agressividade, a troca é
executada perfeitamente.
Com um
pouco mais de três meses comigo a ave estava voando livre em campo e
respondendo à isca no primeiro chamado a 180m. Fui aumentando o número de vôos
para condicioná-la fisicamente e introduzindo a escapes com até 3x o seu peso.
A ave investe ferozmente sem hesitar e domina muitas vezes sem precisar de
minha ajuda. O sprint é fenomenal e ela parte do punho a uma distância de 30m
em perseguição direta ao escape de uma forma que nunca havia presenciado.
3.
Resultados conclusões e observações
Após este
período trabalhando a ave, pude perceber algumas características, que valem a
pena ser ressaltadas:
- O desconforto alimentar a deixou mais agitada
no poleiro, punho e caixa de transporte. Levá-la a lugares muito movimentados
como fazia antes é impraticável, principalmente se você se preocupa com as
penas. Procuro fazer socialização na medida do possível, mas está sendo
difícil. Não tolera mais andar dentro do carro, ato que fazia normalmente
quando o peso estava alto. No poleiro fica muito agitada e sempre tenho receio
de que ela acabe se machucando apesar de nunca ter acontecido. Se assusta muito
fácil com tudo e outras vezes sem motivo aparente.
- Quando
se fala no cuidado com as penas, o problema não é que o A. bicolor é agitado demais. Ele é agitado, mas o grande
"x" da questão é que suas penas são extremamente delicadas e se
estragam com facilidade. Está cobrindo demais a isca, com as asas e cauda,
sendo assim, eu procuro proteger o máximo que consigo suas penas. Hoje em dia
sua cauda está inteira destruída.
- Quanto à agressividade, ainda não demonstrou
nenhuma. Até hoje nunca me atacou de nenhuma forma. Nunca tentou carregar,
apenas cobre no local e me permite manusear a presa normalmente.
- Sua audição é diferente de todas as outras espécies que já manuseei. Ela escuta muito bem e se incomoda muito com sons diferentes quando está em seu peso de vôo.
- Sua audição é diferente de todas as outras espécies que já manuseei. Ela escuta muito bem e se incomoda muito com sons diferentes quando está em seu peso de vôo.
- Quando volta a zona de conforto alimentar a
grande maioria dos desvios comportamentais desaparecem.
Sendo assim, pela única experiência que tive,
cheguei a conclusão de que o A. bicolor
é sim uma ave eficiente, extremamente rápida e funcional para Falcoaria, porém
de manejo muito complexo. Não digo isso pelo treino em si e sim por seu
temperamento que faz com que sua qualidade de vida em cativeiro seja muito
prejudicada. Talvez essa característica seja marcante neste indivíduo que
possuo, mas como foi o único, essa foi a impressão que ela me deixou.
Bibliografia:
- FERGUSON-LEE, James; CHRISTIE, David A. Raptors of the world. New York: Houghton Mifflin Company, 2001.
- FOX, Nick. Understanding the bird of prey. Canada: Hancock House Publishers, 1995.
Bibliografia:
- FERGUSON-LEE, James; CHRISTIE, David A. Raptors of the world. New York: Houghton Mifflin Company, 2001.
- FOX, Nick. Understanding the bird of prey. Canada: Hancock House Publishers, 1995.
- MCDERMOTT, Michael. The imprint accipiter II. Western
Sporting, Ranchester, WY, 2009.
- MCDERMOTT, Michael. Accipitrine behavioral problems, diagnosis
& treatment. Western Sporting, Ranchester, WY, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário