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quarta-feira, 30 de julho de 2025

O que o peito da ave revela sobre peso e performance

Há mais de uma década, falei brevemente sobre a importância de avaliar o peito das aves de rapina. Hoje, volto ao tema porque ele é muito mais relevante do que muitos imaginam. Essa prática vai além de um simples toque: é uma ferramenta poderosa para controlar peso, manter a condição física e garantir voos de alta performance.

A palpação do músculo peitoral não deve ser vista como complemento da pesagem, mas como um indicador essencial. Ela fornece informações valiosas sobre reservas energéticas, hidratação e equilíbrio metabólico, permitindo decisões mais seguras no manejo diário. Quem busca elevar a qualidade dos voos precisa dominar essa técnica.

Peso, condição e performance: A base da Falcoaria

Falcoaria é a arte de unir tradição, ciência e observação. Entre os pilares que sustentam a performance e o bem-estar da ave, está o controle rigoroso do peso. É ele que determina se o animal atingirá sua condição de caça, o ponto ideal para voar e caçar com eficiência.

Um detalhe importante: peso não é só número na balança. Ele influencia diretamente no comportamento.

  • Aves acima do peso tendem à apatia, baixa resposta ao treino e dificuldade em executar manobras.
  • Emagrecimento excessivo, por outro lado, compromete a saúde, reduz a resistência e aumenta o risco de acidentes fatais.

Por isso, pesar é indispensável, mas insuficiente. A balança mostra o valor bruto, não a composição corporal — gordura, massa muscular e estado geral. É aí que entra a avaliação pelo toque: o peito da ave conta a história completa.


Por que o peito é tão importante?


As aves de rapina possuem uma estrutura adaptada para o voo. No centro dela está o esterno, ou quilha, onde se fixam os músculos peitorais — os motores do bater de asas.

Um animal saudável apresenta musculatura firme, bem definida e sem excesso de gordura. Ao tocar o peito, o falcoeiro pode avaliar três aspectos cruciais:

  • Espessura da musculatura: indica força e condicionamento físico.
  • Depósito de gordura: excesso aponta sobrepeso, mesmo que o peso pareça normal.
  • Proeminência da quilha: uma quilha muito aparente sugere perda muscular ou emagrecimento excessivo.

Como fazer a avaliação corretamente

O procedimento é simples, mas exige técnica:

  1. Segure a ave com firmeza e segurança, garantindo conforto para ela.
  2. Com os dedos polegar e indicador, palpe a região do peito, percorrendo as laterais da quilha.
  3. Compare a espessura da musculatura com a proeminência do osso.

No início, a avaliação parece subjetiva. Mas, com prática e observação constante, o falcoeiro desenvolve sensibilidade para identificar variações sutis com precisão.


Toque + Peso: Uma dupla indispensável

Nunca avalie isoladamente. O toque deve ser associado ao registro diário do peso, porque números sozinhos enganam. Uma ave pode manter o peso, mas perder massa muscular e acumular gordura — e isso afeta diretamente o desempenho.

O toque no peito oferece uma leitura tridimensional do estado físico da ave. Essa abordagem integrada permite:

  • Ajustar alimentação e treinamento com precisão.
  • Prevenir obesidade, desnutrição e desequilíbrios metabólicos.
  • Evitar quedas de performance e riscos à saúde.

Além disso, o contato frequente fortalece o vínculo com a ave e a torna mais receptiva ao manejo físico, algo útil em exames veterinários ou transporte.

Conclusão: Um olhar além da balança

Na falcoaria moderna, controle de peso não é apenas balança. É sensibilidade, técnica e atenção aos detalhes. A palpação do peito revela informações que os números não mostram — e essa prática simples pode fazer toda a diferença entre um voo mediano e uma performance impecável.

Falcoeiros que dominam essa técnica não só garantem voos de excelência, mas também promovem saúde e longevidade para suas aves. E isso é a essência da falcoaria real.


domingo, 20 de julho de 2025

Falcoaria inteligente: Escolher a espécie certa é questão de técnica ou de gosto?

No último sábado estava a assistir o Podcast Confra do Campo — recomendo que acompanhem no YouTube — e uma das discussões trazidas pelos meninos que me chamou bastante a atenção foi sobre como saber qual ave lhe atenderá melhor na Falcoaria. Desta forma, peço licença a Eles para aproveitar o gancho e mergulhar um pouco mais neste assunto.


A seleção criteriosa da ave de rapina é um dos pilares do sucesso. Não se trata de uma escolha estética ou emocional, mas de uma decisão técnica que deve levar em conta fatores objetivos, como biologia da espécie, ecologia local, disponibilidade de presas e infraestrutura do falcoeiro. Ignorar essas variáveis pode comprometer não apenas o desempenho da ave, mas também sua integridade física e comportamental.


Em países onde a caça com aves de rapina é uma prática tradicional e funcional — como partes do Oriente Médio, Ásia Central e Europa Oriental —, a escolha da ave é guiada quase exclusivamente pela sua eficiência cinegética. Nessas culturas, a ave é vista como uma ferramenta de trabalho altamente especializada, e não como um objeto de exibição. O que determina seu valor é sua capacidade de capturar presas com consistência, adaptando-se ao terreno, ao clima e ao tipo de caça exigido. A estética da plumagem, o porte ou a raridade da espécie são irrelevantes diante do critério principal: desempenho. A beleza da ave, nesses contextos, está nos lances oferecidos, bem como o resultado que ela entrega no campo.


Outro ponto crítico é a disponibilidade e abundância de presas. A ave deve ser compatível com os recursos faunísticos locais. Uma águia treinada para caçar leporídeos não terá desempenho satisfatório em uma área onde esses animais são escassos. Da mesma forma, o uso de espécies muito especializadas em ambientes com diversidade de presas reduzida pode gerar um desequilíbrio energético, afetando o condicionamento da ave e comprometendo sua motivação durante os lances. Trocando em miúdos, é preciso ter rotina e dentro desta rotina, consistência.


Condições climáticas, topografia, vegetação predominante e densidade urbana também influenciam diretamente na viabilidade do uso de determinada espécie. O sucesso da Falcoaria está na sinergia entre o potencial da ave e os limites do ambiente em que será operada.


Portanto, a escolha da ave de rapina deve ser feita com base em um diagnóstico realista e técnico da estrutura disponível, do tempo dedicado ao manejo e das condições ecológicas locais. Esse alinhamento entre espécie, presa e ambiente não apenas potencializa o rendimento cinegético, mas também garante o bem-estar da ave, assegurando uma prática ética, sustentável e em conformidade com os princípios da Falcoaria moderna.


Confra do Campo vai ao ar todos os sábados a partir das 14:00 no YouTube.   

quinta-feira, 10 de julho de 2025

A ave que não voltou

Em 2013, eu treinava uma jovem Falco femoralis desde os cinco dias de vida. Apliquei o método de imprint de McDermott — The Imprint Accipiter — com toda a dedicação que só quem vive intensamente a Falcoaria consegue entender. Eu tinha tempo, disponibilidade e uma vontade enorme de fazer dar certo. A ave cresceu comigo, não apenas sob meu cuidado, mas em convivência diária, intensa, formando um vínculo que transcendia o técnico.

À medida que ela se desenvolvia, mostrava um potencial admirável. Os primeiros voos livres foram emocionantes. Os treinos com lure fly, a introdução à caça… tudo corria como nos livros. Era o tipo de processo que faz qualquer falcoeiro acreditar que encontrou sua ave definitiva.

Mas a Falcoaria, como a vida, às vezes nos surpreende com aquilo que escapa ao controle.

Um dia, exatamente um ano após o início do processo, precisei sair de casa por cerca de 45 minutos. Deixei a ave empoleirada em sua alcândara na varanda, como tantas outras vezes, encapuzada e presa com o tradicional nó de falcoeiro. Quando voltei, encontrei-a vazia. De alguma forma misteriosa — e até hoje inexplicável — ela desfez o nó, retirou o próprio capuz e fugiu, levando consigo todo o equipamento de atrelamento.

Procurei por dias. Caminhei por bairros, chamei no lure, colei cartazes pela vizinhança. Mas ela nunca mais foi vista. E o que mais me doía era saber: aves que fogem com os apetrechos presos quase sempre se enroscam em árvores ou fios — e muitas vezes morrem assim, sem ninguém ver, em silêncio brutal.

Foi o tipo de perda que não dói só na prática, mas no coração. E, por muito tempo, me afastei da Falcoaria. Não por falta de amor, mas por excesso dele.

Hoje, ao escrever esse relato, não busco consolo. Além de tentar tirar isso do meu sistema, quero compartilhar. Porque na Falcoaria — como em qualquer arte viva — os imprevistos são inevitáveis. Não importa o nível de experiência, o cuidado ou o vínculo. Sempre haverá o elemento incontrolável. E é justamente aí que entra a virtude mais difícil de cultivar: a resiliência.

Se há algo que aprendi com essa perda, é que precisamos continuar. Adaptar. Refletir. E, quando o momento chegar, voltar ao campo com humildade, sabedoria e o peito limpo de culpa. Nem toda ave volta. Mas sempre podemos retornar a nós mesmos — mais maduros, ponderados, mais atentos, e com ainda mais respeito pela liberdade que tentamos, em vão, domesticar.

De volta à trilha — O retorno da Bússola do Falcoeiro

Depois de mais de uma década em silêncio, a Bússola do Falcoeiro volta a apontar o norte.

Muita coisa mudou desde 2013. O mundo girou, os ventos mudaram, as aves migraram — e eu também. Nesse intervalo, acumulei vivências que não cabem em um parágrafo: campos sobrevoados, jornadas nas asas do tempo, aprendizados que só o silêncio e o voo solitário sabem ensinar.

Mas se tem algo que nunca mudou, foi o olhar para o céu em busca daquela silhueta que corta o ar com propósito. A paixão pela Falcoaria — essa arte que é ofício, ciência e contemplação ao mesmo tempo — só cresceu. E agora, ela pede voz novamente.

Este blog sempre foi um ponto de encontro entre prática e reflexão, entre técnica e poesia, entre o falcoeiro e o mundo. E é isso que pretendo retomar. Com mais maturidade, mais bagagem e, principalmente, com a consciência de que o voo do conhecimento nunca se encerra.

A você que ainda está aqui, obrigado por manter a vigília. E a quem chega agora: bem-vindo à jornada. Vamos juntos reencontrar o rumo.

Porque toda bússola, cedo ou tarde, volta a apontar para casa.